quinta-feira, fevereiro 23, 2006

SÓ (+) 1 HOMEM

1 homem só, sentado
1 homem só, preocupado...
sentindo-se enganado...
pouco preparado
para lidar com as merdas,
para lidar com as perdas
que se vão sucedendo,
que a cabeça vão moendo!
1 homem só, pensativo
1 homem só, destrutivo!
sentindo-se negativo
e quase nada vivo...
Indiferente ao geral cenário
onde o mais belo canário
Sempre é o preferido
e nunca preterido!
1 homem só, fodido...
só 1 homem, abatido

terça-feira, fevereiro 14, 2006

O Cibernauta

Certo dia, JacOb889, que esgotado de passar as tardes e as noites colado ao computador em jogos de guerra e simuladores de futebol assassinos para qualquer cabeça pensante, resolve simplesmente parar.
Tinham-se passado dias e dias, semanas talvez, desde a última vez que se lembrava de ter feito qualquer coisa diferente. Houve dias de céu limpo, daqueles que depois de alguma pluviosidade exagerada o sol brilha mais do que é normal e seca a humidade infiltrada nos cimentos das casas e dos quintais e a água acumulada na berma da estrada, que vai sumindo devagarinho. Dias em que geralmente, também o povo anda mais contente que o habitual.
Passaram-se também alguns dias cinzentos e tristes, de céu carregado e hostil. Dias angustiantes de incertezas e pensamentos conturbados, onde tudo parece envolto numa neblina etérea que não deixa ver para além do que está à vista. E passaram-se dias de noticiários turbulentos e polémicas jornalísticas infindáveis, de debates públicos e julgamentos prévios na praça do cabo. Enfim... O circo do costume. Passaram-se dias diferentes e dias iguais. E ele ali. Especado em frente à sua própria lanterna mágica, ao seu instrumento de entretenimento pessoal. De olhos vidrados numa luz sempre tão azul e baça, pressentia-se ficar ali para sempre, no seu mundo cibernético e artificial. Sob o claro azul fulminante e inócuo livre de qualquer radiação U.V ou I.V maléfica. De costas voltadas para o mundo. Desprezando a cada hora e a cada minuto a realidade que estava ali imediatamente atrás de si. Tão perto que parecia quase soprar-lhe no cabelo. E às vezes soprava mesmo, mas era escusado. À excepção das órbitas e das extremidades dos dois membros superiores, JacOb889 permanecia imóvel.
Claro que para ele, tudo isto era exagerado e bastante contestável. Ele dormia e comia, de vez em quando. Saía de casa, ia ao café. Comunicava por telefone ou através do ciberespaço, com quem queria. Na realidade tinha todo um conjunto de actividades imperscrutáveis, que lhe eram permitidas ter única e exclusivamente através do seu terminal inseparável. Na realidade, o mundo era muito mais do que aquilo que se via do exterior. Era um mundo maravilhoso e digital. Era um mundo novo feito à sua medida e dominado à sua vontade. Era um mundo impenetrável, inacessível a todos os outros que o rodeavam. Mas ali, era ele quem dominava. Era ele quem fazia as suas próprias regras. Era ele que construía o seu próprio destino e não uns quaisquer progenitores, ou professores, ou a sociedade. Essa sociedade cruel e corrupta, que a todos corrompe e destrói. Sim, destrói. Destrói aquilo que há de mais puro, valioso e único no ser. A essência, a natureza, a intuição, a vontade própria. Mas naquele mundo digital, não. Ali ele podia ser ele. Melhor... ali podia ser quem ele quisesse e ninguém podia fazer nada para o impedir de concretizar todos os seus sonhos e tudo o mais que ainda não sonhara! Todos os sonhos, todas as vontades, todos os desejos, todos os pedidos eram satisfeitos. Sem esforço. Sem contras. Sem luta. Quase sem se mexer. Quase sem emoção. Claro... Havia, naturalmente, coisas que ele não podia ter. Bom, mas estava disposto a prescindir de algumas coisas. Afinal, não eram coisas assim tão importantes. Coisas dispensáveis... Argumentos curtos e fracos para o mover da sua quinta dimensão.
Mesmo assim, JacOb889 decidiu, simplesmente, parar.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Digital/Musical

Havia uma porta de vidro que guardava as impressões de quem entrava e de quem queria sair. No copo, pintado de verniz, uns homens colocavam digestivos abençoados. Sem me aperceber vestia uns sapatos de cordel. O fumo dos cigarros cobria os olhos de um chapéu vermelho que arrancava e guardava cabelos velhos. Todo o corpo descobriu os corpos e engoliu sementes. Duas ou três sensações, as únicas, foram alargando os vasos sanguíneos, como se estivessem a irrigar um tecido maior. Palpitava fortemente e arregalava os olhos, até se despirem de pálpebras. Este ser minúsculo confrontava-se com o fascínio de um malmequer acabado de florir. Deixava as gotas escorrerem pelo caule. Os grilos, incumbidos de anunciar que o mundo vai acabar, perderam o calendário e a memória. As profecias de alguém numa natureza fiel.